Escritores que não correm com pires na mão atrás de políticos. Têm confiança no seu taco

Marcos Machado 19/10/2021 0
Escritores que não correm com pires na mão atrás de políticos. Têm confiança no seu taco

RAY CUNHA

Tenho visto, ao longo da minha vida, escritores com pires na mão suplicando a políticos apoio para escreverem e publicarem em livro físico, como se escrever não fosse só escrever. Quanto a publicar em papel é uma consequência de três fatores: talento, trabalho nunca descontinuado e divulgação. Talento é congênito; trabalho é sair da zona de conforto e não ter medo do quanto podemos suportar, inclusive fome; e promoção, incluindo autopromoção, advém da confiança que temos no nosso taco.

Mas há receitas. Por exemplo: quando Paulo Coelho decolou entre os anos 1980 e 1990, estava no lugar certo e no momento certo. Um dia, uma repórter do Grupo Globo, quando a TV Globo mamava quietinha na teta trilionária da burra, foi ao apartamento do escritor para entrevistá-lo, ele olhou para o céu e disse que ia chover, o que até cachorro percebe, dependendo do tamanho e cor da nuvem. Não deu outra: no dia seguinte saiu que Paulo Coelho era um bruxo que fazia chover.

Aí, com O Alquimista, que deixou os franceses, famosos por serem ávidos leitores, ajoelhados, Paulo Coelho se tornou o maior vendedor de livros do mundo, e é recebido por aí como astro do rock. Atualmente, ele se entocou na Suíça, de onde dispara a metralhadora, de vez em quando, no lombo de Bolsonaro, que não está nem aí para Paulo Coelho, pois tem couro de platina e ouro.

Uma receita que tem dado certo, pelo menos para o americano Dan Brown, autor de O código da Vinci, é a construção de uma trama ao mesmo tempo simples e surpreendente, como em O símbolo perdido (Sextante, Rio de Janeiro, 2009, 489 páginas).

Brown não é nenhum estilista, mas é um extraordinário escritor de tramas policiais, que prendem da primeira à quatrocentésima octogésima nona página, como é o caso de O símbolo perdido, de tirar o fôlego, vertiginosa e surpreendente a cada página.

Brown era casado com uma historiadora da arte, que o ajudava nas pesquisas que alicerçavam seus livros, e certamente ele é iniciado em esoterismo, ou pelo menos tem conhecimento disso. Munido dessas ferramentas, de como funcionam as agências de inteligência e confrarias misteriosas, ele recheia de peripécias pós-modernas um enredo simples. E está montada a trama.

No caso de O símbolo perdido, o enredo é absolutamente simples. A CIA, a agência de inteligência americana, recebe um ultimato: ou entrega uma determinada informação a um tipo que parece saído de Hollywood ou serão disponibilizados na internet alguns vídeos que causarão um cataclismo nos Estados Unidos. O resto são 489 páginas surpreendentes.

Foi por intermédio desse livro que compreendi claramente algo que perpassa a obra do filósofo japonês e criador da Seicho-No-Ie, Masaharu Taniguchi. Algo já revelado também por Albert Einstein: que o Universo, tal qual nós o conhecemos, é integralmente feito de energia.

Em O símbolo perdido, uma cientista faz experimentos no contexto da Noética. Ela anda atrás de conhecer o poder da mente. Aí é que entra Masaharu Taniguchi. Foi ele que esclareceu a mim que o mundo fenomênico, o mundo material, tangível pelos cinco sentidos, é apenas sombra da mente. Desse modo, a mente tem o poder de moldar o mundo fenomênico. Mas como fará isso?

Pelo pensamento. Mas é necessário combustível para que o pensamento seja direcionado. O combustível é a força moral, ética, e fé, que remove montanhas. Assim, Dan Brown me fez entender o que eu já vinha estudando em Masaharu Taniguchi.

Também li Anjos e Demônios (Sextante, Rio de Janeiro, 2009, 416 páginas), um thriller mirabolante. Não largamos o livro até terminá-lo, mesmo que já tenha passado da meia-noite. Na linha de O código da Vinci e O símbolo perdidoAnjos e Demônios é uma incursão em profundidade no Vaticano e uma aula sobre anti-matéria, sob fio condutor surpreendente a cada capítulo, numa história que envolve arte, ciência, política, filosofia e loucura.

Um terrorista ameaça varrer o Vaticano do mapa com uma bomba várias vezes mais potente do que a de Hiroshima. Ele conta com um assassino determinado para concretizar seu plano, mas não contava com a aparição do professor de Simbologia Religiosa na Universidade de Harvard, o americano Robert Langdon, e com a biofísica italiana Vittoria Vetra.

A mais perfeita modalidade de arte, a literatura, leva vantagem sobre suas seis irmãs porque seu instrumento, a palavra, é, por si só, criador, e, se for utilizado com maestria, é capaz de criar cenários que nem o cinema tecnológico de ponta de Hollywood sonha chegar perto. Assim, se o escritor tiver uma boa ideia na cabeça e dominar tanto a matéria-prima daquele trabalho quanto o idioma com o qual escreve, e também for publicado no mercado americano, só não fará sucesso se não quiser. O Código da Vince que o diga.

Em Origem (Sextante, Rio de Janeiro, 2017, 427 páginas), último livro de Dan Brown, pelo menos que eu li, ele mostra que o celular é a prova de que o ser humano é um ciborgue. Outro dia, conversando com um amigo meu, crítico literário, falávamos sobre livros clássicos, revolucionários, que mudam o modo de escrever dali para frente.

– E Dan Brown? – Perguntei-lhe, durante a conversa.

Ele fez cara de nojo.

Perguntei isso porque sou leitor inveterado de livros policiais e de detetive, e cinéfilo de filmes do gênero, e Dan Brown é um mestre em criar tramas intensas. A sinopse de Origem é o seguinte: um gênio da informática, bilionário, ateu, prepara um show para dar uma informação mundial que levaria ao fim das religiões, com a resposta às perguntas: de onde viemos e para onde vamos?

Origem faz longas digressões pela arte espanhola e aborda o fanatismo dos espanhóis pela Igreja e o saudosismo pelo ditador nazista Francisco Franco por parte das gerações mais velhas, mas mesmo assim prende o leitor do início ao fim, pois da mesma forma que os suecos Stieg Larsson e David Lagercrantz, da Série Millennium, trata-se de um mergulho no uso da internet; pula de cabeça na inteligência artificial.

A Humanidade, desde os primórdios da História, sempre travou um embate entre religião e ciência. Houve uma época em que a Igreja Católica Apostólica Romana dominou a Europa e as Américas através do terror, e tentou agarrar também o Oriente, até que a ciência mostrou que a coisa não passava de luta pelo poder, por domínio e dinheiro.

Ao longo da História, sempre houve avatares, espíritos ascensionados, como Buda e Jesus Cristo, ou os grandes cientistas da Grécia clássica, entrando pelo Renascimento e pela informática. Mas foi no século XIX que houve a explosão do espiritismo, a consciência de que somos seres espirituais; hoje, os títulos com esse tema tomam conta de um bom pedaço das estantes das livrarias.

Neles, há informações, inclusive endossadas pela ciência, de que viemos de uma consciência sem início e sem fim, onipresente, que costumamos chamar de Deus, e que retornaremos a Ele.

Cientistas já tentaram criar a sopa primordial para ver se dali surgiria vida, mas não surgiu nada, pondo por água abaixo o evolucionismo. Nossos corpos são fruto de inteligência artificial de engenheiros siderais; usamos esses corpos como escafandros aqui na Terra. No fim das contas, todos são espíritos. A diferença, aqui neste mundo material, é que uns acreditam que são matéria mesmo, enquanto outros desenvolvem sua mediunidade e assim utilizam com sabedoria o livre arbítrio.

Desde sempre fazemos estas perguntas: De onde viemos? Para onde vamos? Entre uma e outra, permeia a existência humana. Aos poucos, principalmente a literatura e o cinema, vão entendendo, às vezes na diagonal, como em Origem, que nossos corpos nada mais são do que ciborgues, configurados pela família, pela religião, pela academia e pelo patrão. Há até profissionais nessa área: são os coachings, que preparam o trabalhador para virar escravo.

Se Origem não é literatura canônica, e nem é um dos melhores momentos de Dan Brown, é um tour por um dos países mais encantadores da Europa: a Espanha. E uma crônica do pós-modernismo. Nele, temos a sensação de que o homem não vive mais sem a máquina; ninguém larga o telefone celular.

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